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Reposição de cálcio em gestantes: comunicado da SOGESP aos associados

São Paulo, 22 de dezembro de 2025

A SOGESP orienta seus associados sobre a reposição de cálcio durante a gestação. Leia abaixo, informações oficiais.

Recentemente foi publicada na Cochrane Database of Systematic Reviews (DOI: 10.1002/14651858.CD001059.pub6), excelente metanálise sobre uso de cálcio na prevenção da pré-eclâmpsia [Cluver et al., 2025], que de certo modo, se sobrepõe à metanálise anterior de Hofmeyr et al. [2018] (DOI: 10.1002/14651858.CD001059.pub5).

A publicação de Hofmeyr et al. [2018], versão amplamente citada, concluiu que suplementação com cálcio (≥1 g/dia) reduz o risco de pré-eclâmpsia, especialmente em mulheres com ingestão dietética baixa de cálcio. Também apontou redução de parto pré-termo e de complicações maternas graves em algumas análises. Além disso, ressaltou o efeito protetor em populações de comprovada baixa ingesta de cálcio. Estes dados serviram de base para a recomendação da Organização Mundial de Saúde [OMS] e para as recomendações do Ministério da Saúde [MS] do Brasil.

A nova análise de Cluver et al. [2025] incorpora ensaios maiores e avaliações de qualidade adicionais, concluindo que, após excluir estudos considerados por eles não confiáveis (com alto risco de viés, como estudos com baixo número de casos ou sem aprovação de protocolo de pesquisa em plataforma oficial para Ensaio Clínico Randomizado, o efeito protetor da prescrição de cálcio inexiste
— isto é, a evidência passa a não suportar de forma robusta a prevenção da pré-eclâmpsia por suplementação rotineira de cálcio.

Assim, comparando as duas análises podemos afirmar que: Hofmeyr et al. sintetizaram o corpo de evidência disponível até ~2014/2018, que incluía muitos estudos com baixa casuística e alguns cluster-ECRs e Cluver et al. [2025] atualizaram com ensaios mais recentes, incluindo estudos multicêntricos com grande casuística, realizando uma avaliação de risco de viés / sensibilidade. A
diferença crítica é que Cluver et al. [2025] realizaram análises de sensibilidade que excluíram estudos com risco de viés sérios ou considerados “não confiáveis”, o que mudou substancialmente o efeito global. Hofmeyr et al. [2018] discutiram possíveis vieses (pequeno-estudo/viés de publicação) mas mantiveram o efeito ao combinar os estudos então disponíveis. Estes autores destacaram efeito mais forte com doses ≥1 g/dia e em populações com baixa ingestão dietética de cálcio. Cluver et al. [2025] também examinam dose e subgrupos, mas o sinal geral enfraqueceu quando estudos de baixa confiança foram excluídos. Ambas as revisões não mostram efeitos adversos robustos.

Hofmeyr et al. [2018] observaram pequeno aumento de síndrome HELLP em números absolutos (efeito raro), que não anulou benefícios percebidos — mas Cluver et al. [2025] chamam atenção para incerteza sobre segurança quando o benefício é incerto. Estudo recente [Dwarkanath et al., 2024] suporta a não inferioridade na suplementação de doses baixas (500mg) em relação a doses altas de cálcio (algo em parte já incorporado em protocolos nacionais, que sugerem 1g/dia de suplementação).

Mesmo que a eficácia preventiva universal possa e deva ser questionada, populações com ingestão alimentar baixa de cálcio podem continuar a se beneficiar com a reposição — essa é uma nuance que aparece nas análises por subgrupos onde deve-se contextualizar a ingestão dietética. Discordamos da afirmação dos autores desta última metanálise, de que o tema da reposição de cálcio para grupos de risco de desenvolverem pré-eclâmpsia, esteja encerrada. Há necessidade ainda de ensaios com casuísticas maoires e bem conduzidos, com avaliação de adesão, início precoce da reposição, concentrações basais de cálcio dietético e avaliação rígida de desfechos clínicos para resolver a incerteza residual.


Quais são as limitações das evidências?
Como a maioria das participantes dos estudos iniciaram a ingesta de cálcio a partir da metade da gestação, não temos informações nesta revisão sobre a eficácia da suplementação de cálcio desde o início da gravidez. Essa observação vale tanto para mulheres que vivem em áreas onde a população tem cálcio suficiente na dieta, quanto para aquelas que não têm, e para aquelas com alto risco versus baixo risco de desenvolver pré-eclâmpsia.

Início do uso de cálcio    Idade gestacional em semanas
Belizan 1983                     15
Belizan 1991                     20
Crowter 1999                    18
Levine 1997                      17
Villar 1987                        26
Villar 1990                        23
Goldberg 2013                  20
Dwarkanath 2024            <20 (1/3 < 13)

O efeito sobre a mortalidade materna foi considerado incerto, quando se utilizou o denominador para 10.000 nascimentos onde o RR foi de 0,33 (IC 0,06 – 1,83), mas com grande intervalo de confiança. Essa conclusão se fundamentou somente a partir de 3 ECR (9430 pacientes), um número insuficiente para o cálculo da mortalidade materna que se mede por 100.000 nascimentos. Considerando um
risco basal da mortalidade materna no grupo placebo de ~ 0,15% e o efeito demonstrado de uma redução do RR de 67% (RR≈0,33), com um alfa de 0,05 e um poder de 80%, teríamos que ter um tamanho amostral de aproximadamente 15.700 gestantes por grupo. Entretanto, temos cerca de 2.400.000 nascimentos/ano no Brasil com cerca de 350 mortes/ano por HAS/Eclâmpsia. Para uma incidência de 15% de HAS, teremos 360.000 possíveis usuárias de cálcio. Se tivermos uma redução de 67% de mortalidade, diminuiremos cerca de 235 mortes por ano no Brasil. Se houver uma adesão de 70% das pacientes em usar o cálcio, evitaríamos
165 mortes/ano.

Dos 20 ensaios previamente incluídos na metanálise anterior de Hofmeyr et al. [2018], que foram excluídos por Cluver et al. [2025], onze foram porque os critérios de elegibilidade mudaram e nove porque estão aguardando classificação devido a problemas de confiabilidade. Isso demonstra que a metanálise de Cluver et al.[2025] ainda não está concluída e pode ser revista após a inclusão
dos estudos que estão sendo esperados.

Fundamentadas nas considerações acima, a Rede Brasileira de Estudos sobre a Hipertensão na Gravidez (RBEHG) e a Comissão Nacional Especializada (CNE) sobre Hipertensão na Gestação da Febrasgo emitem conjuntamente as
seguintes considerações:

▪ Populações com ingestão muito baixa de cálcio: apesar da incerteza global, muitas diretrizes (incluindo a OMS) continuam a recomendar suplementação em populações com ingestão dietética baixa — a plausibilidade biológica e evidência histórica ainda sustentam essa recomendação em contextos de baixo consumo alimentar de cálcio. Contudo, a revisão 2025 sugere que o efeito pode ser menor do que se pensava e que políticas universais devem ser reavaliadas com base em contexto local.
▪ Suplementação universal rotineira para todas as gestantes: a evidência recente não sustenta um benefício claro e consistente — portanto, políticas universais podem precisar de reavaliação, preferindo-se abordagens direcionadas (por ex., mulheres com baixo consumo dietético e/ou alto risco para pré-eclâmpsia).
▪ Pesquisa futura: são necessários ECRs bem desenhados, transparentes, com registro prévio, boa adesão e descrição clara de ingestão dietética basal, para resolver a incerteza remanescente.

A recente Nota Técnica emitida pelo MS (nº 251/2024) representou um avanço, considerando a atividade multiprofissional na atenção pré-natal, com a oportunidade de prescrição de cálcio por não médicas (os) [(enfermeiras (os) e nutricionistas], para garantir a intervenção oportuna, colocando em pauta a questão nutricional e o risco de pré-eclâmpsia. Lembramos que a deficiência de cálcio em nosso país beira 100% da população (IBGE), o que é uma boa justificativa para não deixarmos de prescrever.

Assim, a RBEHG e a CNE sobre Hipertensão na Gestação da Febrasgo recomendam que, por enquanto, para a população brasileira, não se mude a diretriz de reposição de cálcio (de 500 a 1000 mg/dia) em gestantes identificadas com alto risco para pré-eclâmpsia e/ou com baixa ingesta de cálcio, na qual a mortalidade materna por hipertensão arterial ainda atinge taxas altas. Essa recomendação pode ser revista a qualquer momento, após publicações mais robustas ou revisão da própria metanálise de Cluver et al. [2025]. Essas entidades aguardarão o posicionamento de entidades oficiais como a OMS e o Ministério da Saúde do Brasil, bem como o posicionamento de outros pesquisadores experts neste assunto.


José Carlos Peraçoli
Presidente da CNE de Hipertensão na Gestação - FEBRASGO

José Geraldo Lopes Ramos
Presidente da RBEHG

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