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Dengue e gravidez - Informações importantes

São Paulo, 15 de fevereiro de 2024.

Rosiane Mattar
Silvana Maria Quintana
Vera Therezinha Medeiros Borges
Fabio Fernandes Neves

O mundo vivenciou entre 2020 e 2023 uma das maiores pandemias virais, a Covid-19, e agora, estamos observando em 2024 aumento catastrófico de outra infecção viral: A DENGUE. Assim, a SOGESP considera fundamental abordar este tema com o objetivo de orientar os associados quanto ao diagnóstico e conduta desta infecção no período gestacional.

A dengue é uma infecção viral que pode apresentar amplo espectro clínico. O agente etiológico é o vírus DENV. A maioria dos casos é assintomática ou evolui com sintomas leves, mas a dengue se caracteriza por ser doença febril aguda, sistêmica e dinâmica, que pode evoluir para quadros graves. Apesar da maioria dos casos ser de fácil manejo clínico, se o diagnóstico e as condutas não forem precoces e precisos, os quadros graves podem evoluir para óbito.

A dengue é mais grave em gestantes quando comparado a grupos semelhantes de mulheres não grávidas, estando associada à maior mortalidade materna, fetal e neonatal.

QUADRO CLÍNICO 

A dengue pode apresentar três fases clínicas: febril, crítica e de recuperação.

  • Fase febril: a primeira manifestação é a febre, geralmente alta (39ºC a 40ºC), de início súbito, associada a cefaleia, adinamia, mialgias, artralgias e dor retro orbitária e que tem duração de dois a sete dias. A paciente infectada também pode apresentar anorexia, náuseas e vômitos, assim como diarreia que cursa com três a quatro evacuações de fezes pastosas por dia. O exantema ocorre em aproximadamente 50% dos casos e é pruriginoso, com predomínio maculopapular, atingindo face, tronco e membros de forma aditiva, plantas de pés e palmas de mãos. Após a fase febril, grande parte das pacientes se recupera progressivamente, com melhora do estado geral.
  • Fase crítica: um grupo de pacientes pode evoluir para formas graves. Esta fase tem início com o declínio da febre, entre três e sete dias do início da doença. Os sinais de alarme, quando presentes, surgem nessa fase, e são resultantes do aumento da permeabilidade vascular, que marca o início da deterioração clínica da paciente e sua possível evolução para o choque por extravasamento plasmático.

 

Cerca de 1/4 das gestantes com dengue sintomática apresentam pelo menos um sinal de alerta. Os principais sinais de alerta estão especificados no Quadro 1:

Quadro1: Principais sinais de alarme e de choque circulatório na dengue

Dor abdominal intensa e contínua
Vômitos persistentes
Hipotensão postural ou lipotimia
Hepatomegalia dolorosa
Sangramento de mucosas
Hemorragias (melena, hematêmese)
Sonolência ou irritabilidade
Diminuição da diurese
Hipotermia
Aumento repentino do hematócrito > 10%
Queda abrupta das plaquetas
Desconforto respiratório

Sinais de choque circulatório

Hipotensão arterial (PAM < 70mmHg em DLE)
PA convergente (diferencial < 25mmHg em DLE)
Pulso rápido e fino (FC>100bpm sem ↑ Temperatura)
Enchimento capilar lento (> 2s)
Outros sinais de choque

 

A dengue grave se manifesta como choque ou acúmulo de líquidos como derrame pleural e ascite. Outras formas graves da dengue são o sangramento vultoso e o comprometimento de órgãos como o coração, os pulmões, os rins, o fígado e o sistema nervoso central (SNC). O choque ocorre quando um volume crítico de plasma é perdido por meio do extravasamento ou sangramento, o que geralmente ocorre entre o quarto ou quinto dia de doença, com intervalo entre o terceiro e sétimo, geralmente precedido por sinais de alarme.

3- Fase de recuperação: A febre cede e os sinais e sintomas vão se normalizando.

DEFINIÇÃO DE CASO SUSPEITO DE DENGUE

Quando a paciente apresenta quadro agudo febril com duração de até 7 dias acompanhada de dois dos sintomas descritos a seguir:

Cefaleia
Dor retro orbitária
Mialgia
Artralgias
Prostração
Exantema
Hemorragias


A epidemiologia de ter estado em área de endêmica de dengue já é uma realidade para todo o Brasil.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA INFECÇÃO VIRAL POR DENV

  • Pesquisa de antígeno NS1: a pesquisa do antígeno costuma ser positiva entre o 1º e 3º dia de doença febril.
  • Biologia molecular: o diagnóstico de dengue poderá ser realizado pela identificação do vírus por RT-PCR na fase de viremia da doença a partir do 1º dia até o 4º ou 5º dia do início da febre
  • Sorologia: para detecção de anticorpos IgM a partir do 6º dia do início da febre/sinais ou sintomas.

ESTADIAMENTO DA DENGUE 

São 4 estadios: A, B, C e D, com gravidade progressiva

Grupo A: paciente sem sinais de alarme e sem condições especiais
Grupo B: condições clínicas especiais, comorbidades ou grupo de risco
Grupo C: presença de sinal de alarme
Grupo D: dengue grave – choque

Destacamos que as gestantes são consideradas grupo de risco para evolução desfavorável e, portanto, SEMPRE partem do estádio B.

ASSISTÊNCIA TERAPÊUTICA
 

As pacientes devem ser tratadas de acordo com o estadiamento clínico da dengue e necessitam de vigilância, independentemente da gravidade, mas em ritmos de avaliação próprios à cada fase.

A associação dengue e gravidez deve ser conhecida por todos os profissionais de saúde e, particularmente os ginecologistas e obstetras, uma vez que acrescenta riscos à mãe e ao feto. Em relação à mãe infectada, existe risco quatro vezes maior de ocorrer morte, principalmente se a infecção acontecer no terceiro trimestre gestacional. Também há cerca de três vezes mais risco de morte fetal ou neonatal.

A fisiopatologia da doença é a mesma que na não grávida, mas, em vista das modificações gravídicas, muitos dos sinais e sintomas são confundidos, como hipotensão postural, taquicardia, hemoconcentração, o que torna o diagnóstico mais tardio, retardando as medidas de hidratação precoce, e possibilitando maior gravidade.


Gestante SEM sinais de alarme ou de choque circulatório (GRUPO B):
 

  • Solicitar hemograma para avaliar contagem de plaquetas e comparar o hematócrito com o valor basal (a gestante deve ter esse dado anotado em sua carteira de pré-natal). Se hematócrito estiver até 10% maior que o seu basal: hemograma diário até 48h após cessar a febre. Na ausência do hematócrito basal, considerar hematócrito de 32-34%.
  • Manter a gestante em leito de observação (controle rigoroso de sinais vitais, sinais e sintomas) até colher e checar os resultados de exames;
  • Hidratação via oral: inicial de 60-80 ml/kg/dia, sendo 1/3 nas primeiras 4 horas;
  • Repetir hematócrito e plaquetas após 4 horas de reidratação;
  • Medicamento sintomáticos: antitérmicos, analgésicos e antieméticos, conforme necessidade. Está contraindicado o uso de salicilatos;
  • Orientar sobre sinais de alarme ou choque;
  • Retorno diário para avaliação clínica e laboratorial, até 48h após o término da febre.

Gestante COM sinais de alarme e SEM sinais de choque circulatório (GRUPO C):

  • Internar a paciente por pelo menos 48 horas;
  • Solicitar hemograma, proteína, albumina, tipagem sanguínea e sorologia, RTPCR ou pesquisa de antígeno (conforme tempo de evolução);
  • Considerar outros exames complementares, como eletrólitos transaminases, função renal, gasometria, ultrassonografia, RX de tórax;
  • Hidratação endovenosa com soro fisiológico ou ringer lactato: 20mL/kg/h (expansão), reavaliando frequentemente a paciente para identificação de sinais congestivos;
  • Reavaliação clínica e laboratorial a cada 2 horas;
  • Em caso de melhora clínica e laboratorial, prescrever soroterapia de manutenção: 25mL/kg em 4 horas;
  • Diante a ausência de melhora clínica e laboratorial com três esquemas de expansão, tratar como GRUPO D.

Gestante COM sinais de choque circulatório (GRUPO D):

  • Solicitar leito de terapia intensiva;
  • Hidratação endovenosa imediata com 20mL/kg administrados em 20 minutos. Se necessário, repetir este esquema até 3 vezes. Reavaliar a paciente para identificação de sinais congestivos;
  • Reavaliação clínica a cada 15-30 minutos e laboratorial a cada 2 horas;
  • Se melhora hemodinâmica, tratar como GRUPO C;
  • Se queda de hematócrito, investigar hemorragia e/ou coagulopatia. Considerar transfusão de concentrado de hemácias e/ou plasma fresco.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
 

Solicitar exames para diagnóstico diferencial com Z-STORCH e com outras doenças, o que vai definir conduta e seguimento da gestante. Recomenda-se:

  • Influenza
  • Sarampo
  • Rubéola
  • CMV
  • Malária
  • Hepatites virais
  • Leptospirose
  • Meningococcemia
  • Sepsis
  • Pré-eclampsia, HELLP (Quadro 2)

 

Quadro 2 – Diagnóstico diferencial entre Dengue Grave e síndrome HELLP

 

Quadro Clínico

Achados hematológicos

Achados bioquímicos

Dengue
grave

Febre recente

Tendência a sangramento

Sinais de derrame cavitário

↓ leucócitos

↓↓ plaquetas (<50.000)

↑ hematócrito

↑ ALT e AST

↓ Albumina (< 2,5 mg/dL)

HELLP

Sinais de pré-eclâmpsia

Hemólise

Sintomas de gripe

Sinais de MAHA*

↓ plaquetas (<100.000)

↑ ALT e AST

LDH > 600 U/L

Adaptado de Ministry of Health of Sri Lanka, 2019.

* MAHA: anemia hemolítica microangiopática.

 

CRITÉRIOS PARA INTERNAÇÃO HOSPITALAR
 

Por se tratar de fator de risco independente para desfecho negativo na dengue, toda gestante se beneficiaria de uma breve internação, com objetivo realizar exames complementares, avaliar a gravidade do quadro, bem como a capacidade de ingesta líquida da paciente.

Na presença de um dos achados a seguir, a paciente deve ser referenciada para o hospital de retaguarda:

  • Presença de sinais de alerta
  • Incapacidade de alimentar-se ou ingerir líquidos
  • Comprometimento respiratório: dispneia, dessaturação, taquipneia ou dor torácica.
  • Plaquetas < 50.000/mm3
  • Insuficiência renal aguda
  • Impossibilidade de seguimento na unidade de saúde de origem

A transmissão vertical parece ter risco global pequeno, sendo o período periparto (entre 10 dias e 10 horas antes do parto) o de maior risco para sua ocorrência.

Algumas situações são peculiares à associação dengue e gestação:

  • Gestantes recebendo AAS e/ou heparina têm maior risco na doença.
  • Se houver trabalho departo prematuro, não está claro se ele deve ser inibido ou não, mas parece haver benefícios se a idade gestacional for muito prematura.
  • As pacientes com dengue devem ser encaminhadas para Maternidade de referência pelo risco hemorrágico aumentado e para avaliação do RN
  • Gestantes com sangramento, independentemente do período gestacional, devem ser questionadas quanto à presença de febre ou ao histórico de febre nos últimos sete dias.
  • A via de parto deve ser a obstétrica, não havendo indicação de cesárea somente pela ocorrência de dengue.
  • O aleitamento deve ser mantido.
  • Devemos orientar às nossas gestantes cuidados para prevenção da aquisição da doença como uso de calças longas, camisas de manga, telas nas janelas e uso diário de repelentes que contenham icaridina.

    A vacina contra dengue, por ser de vírus vivo inativado, não é indicada para as gestantes ou nutrizes, apesar de não terem sido observados efeitos danosos aos fetos ou à própria gestante nos casos de administração inadvertida do imunizante.

 

Fonte:

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de Doenças Transmissíveis. Dengue : diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança – 6. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2024.

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/dengue

  1. Encontro com especialistas. Dengue e gestação. Fiocruz. Portal de Boas Práticas. Youtube – 07/02/24.
  2. Rathore SS, Oberoi S, Hilliard J, Raja R, Ahmed NK, Vishwakarma Y, Iqbal K, Kumari C, Velasquez-Botero F, Nieto-Salazar MA, Cortes GAM, Akomaning E, Musa IEM. Maternal and foetal-neonatal outcomes of dengue virus infection during pregnancy. Trop Med Int Health. 2022 Jul;27(7):619-629. doi: 10.1111/tmi.13783. Epub 2022 Jun 11. PMID: 35689528.
  3. Ministry of Health of Sri Lanka. Guidelines for Clinical Management of Dengue Infection in Pregnancy. 1a Ed. Colombo – Sri Lanka, 2019.
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